1No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. 2No princípio estava ela com Deus. 3Tudo foi feito por ela, e sem ela nada se fez de tudo que foi feito.
4Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. 5E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la. 6Surgiu um homem enviado por Deus; seu nome era João. 7Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. 8Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: 9daquele que era a luz de verdade, que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano.
10A Palavra estava no mundo — e o mundo foi feito por meio dela — mas o mundo não quis conhecê-la. 11Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram.
12Mas, a todos que a receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome, 13pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo.
14E a Palavra se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória, glória que recebe do Pai como Filho unigênito, cheio de graça e de verdade. 15Dele, João dá testemunho, clamando: “Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim passou à minha frente, porque ele existia antes de mim”. 16De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. 17Pois por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo. 18A Deus, ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele no-lo deu a conhecer.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 1,1-18)
Caros irmãos e irmãs,
Celebramos a festa do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nasceu para nós o Salvador. Sinal pleno de alegria. Sinal de paz e felicidade a todos quantos sentem no coração o eco alegre da mensagem da Noite Feliz que os anjos proclamam: “Glória a Deus nas alturas, e Paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2,14).
O texto do evangelho prescrito para este dia nos apresenta o prólogo do evangelho de João, uma das páginas mais belas do Novo Testamento, onde são antecipados os temas fundamentais do texto joanino. É semelhante a um hino em que o tema principal é o Logos. O prólogo começa com a mesma palavra do Gênesis (1,1). Em João encontramos a afirmação de uma existência que precede o começo enunciado em Gênesis. Antes desse começo, existia o Logos. A melhor tradução para Logos é “Palavra”, entendida como a comunicação que Deus faz de si mesmo (cf. Hb 1,1-4).
São João proclama de forma grandiosa que no início (cf. Gn 1,1) era a Palavra da criação (cf. Gn 1,3), e esta Palavra é aquele que veio ao mundo, mas o mundo não a acolheu (cf. Jo 1,5), aquele que se tornou carne como nós, mortal como nós (Jo 1,14). Mas exatamente nesta sua condição carnal, na sua doação até a morte, manifestou Ele a glória de Deus. Jesus é a comunicação de Deus. É o permanente nascimento de Cristo na história, que vai renovando o mundo para que ele seja todo cristão.
João está descrevendo um novo começo. Se o livro do Gênesis registra a primeira criação, este primeiro versículo do Evangelho de João descreve a nova criação. Em ambas as ocasiões, o agente da obra criadora é o mesmo Verbo (ou Palavra) de Deus. “Palavra” e “luz” são duas formas de falar da mesma realidade, a saber, que Deus entrou na história humana para reconduzi-la à plenitude. Na mentalidade hebraica a palavra é o meio através do qual alguém se revela ou expressa seus pensamentos e vontade. Conforme o evangelista João, a melhor forma pela qual Deus se expressou foi através da existência humana de Jesus no mundo.
O verbo de Deus, ou seja, a Palavra de Deus, veio como a luz no meio das trevas (v. 5), isto porque a humanidade estava caminhando no erro e no pecado e, com o nascimento de Cristo começa uma nova criação, surge um novo tempo. Contudo, esta luz não foi acolhida pacificamente no mundo. A parte central do trecho do evangelho deste dia nos fala da luta dura, entre a luz vinda do céu e as trevas que continuam a envolver o mundo. Trata-se das forças do mal que são os pecados e os erros que constituem as nossas trevas.
A luz veio ao mundo (v. 9). O Antigo Testamento se refere a Deus como a fonte da luz e da vida em várias passagens. O salmista indica que Deus é a fonte da vida e da luz (Sl 36,9). João, seguindo o conceito do salmista, afirma que o Verbo é a vida e a luz dos homens. João utiliza o termo “Verbo” em um sentido muito pessoal, de um Deus que ama, se compadece e se identifica com os seres humanos, tomando sobre si sua natureza, e sofrendo uma morte vergonhosa com o fim de prover um meio para a reconciliação do homem com seu Criador.
O termo “mundo” nesse texto significa o mundo dos homens e seus assuntos, o qual, concretamente, está submetido ao pecado e às trevas. A função da luz é basicamente combater ou vencer a obscuridade. Trevas é um termo metafórico que, no quarto evangelho se refere a tudo o que se opõe à mensagem de Jesus, é a obscuridade moral e espiritual. Por isso, o tema da primeira parte do quarto evangelho é a fé e a incredulidade é o resultado da influência das trevas.
A missão de Jesus no mundo foi uma espécie de conflito entre a luz e as trevas, culminando no Getsêmani e na cruz. Por isso, o verbo “vencer” cabe bem neste contexto. A luz brilha nas trevas e as trevas não tinham o poder para vencê-la (v.5). A luz luta contra as trevas continuará, até a plena vitória da luz, vitória garantida pela ressurreição de Cristo (cf. Jo 16,33).
Mas o evangelista São João afirma: “Deus é luz e nele não há trevas” (1Jo 1,5). No Livro do Gênesis, lemos que, quando teve início o universo, “a terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo…”. E Deus disse: “Faça-se a luz! E a luz foi feita” (Gn 1,2-3). A Palavra criadora de Deus é Luz, fonte da vida. Tudo foi feito por meio da Palavra de Deus e sem esta Palavra nada foi feito de tudo quanto existe (cf. Jo 1,3). Esta é a razão pela qual tudo o que Deus criou é bom, por traz os vestígios de Deus.
Entretanto, quando Jesus nasceu da Virgem Maria, a mesma Luz veio ao mundo, como professamos na oração do Credo: “Deus de Deus, Luz da Luz”. João Batista não era a luz, mas veio para ajudar o povo a descobrir a presença luminosa e consoladora da Palavra de Deus na vida de cada um. O testemunho de João Batista foi tão importante que muita gente pensava que Ele fosse o Cristo de Deus (cf. At 19,3; Jo 1,20). Mas o “mundo” não reconheceu o Cristo e nem acolheu a sua mensagem.
Desde os tempos de Abraão e Moisés, Deus continua enviando seus mensageiros, mas o “mundo” continua rejeitando a Palavra de Deus. O evangelista São João indica que, na época de Jesus, tanto o império como a religião da época, ficaram fechados em si e não foram capazes de reconhecer e receber o Evangelho, que é a presença luminosa da Palavra de Deus.
O texto evangélico nos diz que a Palavra se fez carne, isto porque Deus não quer ficar longe de nós. Por isso, a sua Palavra chegou mais perto ainda e se fez presente no meio de nós na pessoa de Jesus. Literalmente o texto diz: “A Palavra se fez carne e montou sua tenda no meio de nós!”. No tempo do Êxodo, lá no deserto, Deus vivia numa tenda, no meio do povo (cf. Ex 25,8). Agora, a tenda onde Deus mora conosco é Jesus. Jesus veio revelar quem é este nosso Deus que está presente em tudo, desde o começo da criação.
A perícope evangélica deste dia evoca ainda a profecia de Isaías, segundo a qual a Palavra de Deus é como a chuva que vem do céu e para lá não volta sem ter realizado a sua missão aqui na terra (cf. Is 55,10-11). Assim é a caminhada da Palavra de Deus. Ela veio de Deus e desceu entre nós na pessoa de Jesus. Através da obediência de Jesus ela realizou sua missão aqui na terra. Na hora de morrer, Jesus entregou o Espírito e voltou para o Pai. Cumpriu a missão que tinha recebido.
Na noite de Natal, Jesus se fez Luz para iluminar os nossos caminhos. Cristo vem trazer a luz também a nós, para que possamos sair da escuridão e das trevas. Que esta luz de Cristo possa iluminar cada ser humano e fazer brilhar a esperança e a consolação especialmente para os que vivem nas trevas da miséria, da injustiça, do ódio, da desunião. Jesus veio ao mundo para resgatar o ser humano do poder das trevas e reconduzi-lo à luz, mediante uma vida nova.
Peçamos a Maria, aquela que chamamos de Bem aventurada, porque acreditou nas palavras do Senhor, que ela interceda sempre por nós e nos faça sempre caminhar na estrada de Jesus, a única via iluminada pela luz do amor e da paz. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ