Naquele tempo, 16os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram. 18Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. 19Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Mateus (Mt 28,16-20)
A homilia do 7º Domingo do Tempo Pascal foi escrita por Dom Anselmo Chagas de Paiva, monge beneditino do Mosteiro de São Bento, do Rio de Janeiro.
Caros irmãos e irmãs,
A Igreja celebra neste domingo a Solenidade da Ascensão do Senhor ao céu, o último mistério da vida do Senhor aqui na terra. É o mistério da fé que o livro dos Atos dos Apóstolos coloca quarenta dias depois da ressurreição (cf. At 1,3-11). O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos e os ensinou a respeito da vida de unidade com Deus. É necessário frisar que o número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
O Texto do Evangelho, situa-nos na Galileia, região setentrional da Palestina, conhecida por ser uma região próspera e povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta terra o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. Isto fazia com que os judeus desprezassem os habitantes da Galileia a ponto de dizer que da Galileia “não podia sair nada de bom” (Jo 1,46).
No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi, também, na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho e começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para o Evangelista São Mateus, esse fato sugere que o anúncio de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.
Na primeira leitura, retirada do Livro dos Atos dos Apóstolos, temos a mensagem essencial da solenidade que celebramos neste domingo: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus, a mesma vida que espera todos aqueles que percorrem o mesmo “caminho” que Jesus percorreu.
O texto dos Atos dos Apóstolos ainda nos apresenta a frase dita pelos anjos aos Apóstolos: “Homens da Galileia, por que ficais aí a olhar para o céu?” (At 1,11). Com isto os anjos dizem aos Apóstolos que é hora de começar a imensa tarefa que os espera, e que não devem perder um só instante. Com a Ascensão termina a missão terrena de Cristo e começa a dos seus discípulos. Eles não podem ficar a olhar para o céu, mas precisam ir para junto do povo, a fim de continuar a missão que Jesus confiou a eles. E o próprio Jesus promete permanecer com eles de maneira invisível, mas real e eficaz, até o fim dos tempos (cf. Mt 28,20). A ascensão de Cristo ao céu nos torna também os encarregados na missão, à qual ele preside, em sua glória.
A nossa missão é santificar o mundo e, para isto, Cristo estará sempre conosco. É a promessa que ele mesmo deixou: “Eu estarei sempre com vocês até o fim do mundo” (v. 20). São Mateus conclui assim seu evangelho sem mencionar a partida de Jesus porque, apesar de sua Exaltação gloriosa à nova existência, Jesus permanece com os seus discípulos. A sua presença física sucede no tempo da Igreja numa presença nova, invisível, mas real. Jesus continua vivo e operante na comunidade cristã, onde dois ou mais se reúnem em seu nome (cf. At 18,20). Cristo continua presente entre nos pela fé, pela palavra, pelos sacramentos, em especial pelo sacramento da Eucaristia.
Jesus não está mais fisicamente entre nós, mas nos espera na casa do Pai e nos convida a não permanecer olhando para o alto, mas a estar juntos, unidos na oração, para invocar o dom do Espírito Santo. Só mesmo quem “renasce do alto”, isto é, do Espírito de Deus, está habilitado para entrar no Reino de Deus (cf. Jo 3,3-5).
O texto dos Atos dos Apóstolos faz também uma referência à nuvem (v. 9) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. No Antigo Testamento a nuvem é um símbolo privilegiado para exprimir a presença de Deus junto ao seu povo (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24). Em última análise, apresentar o Senhor envolvido na nuvem evoca o mesmo mistério expresso pelo simbolismo do sentar-se à direita de Deus. Em Cristo, que subiu ao céu, o ser humano entrou de novo na intimidade de Deus; o homem já encontra para sempre um espaço em Deus. A palavra céu, não indica um lugar acima das estrelas, mas algo muito mais ousado e sublime: indica o próprio Cristo, em quem Deus e o homem estão para sempre inseparavelmente unidos. O céu é o ser do homem em Deus. E nós nos entramos no céu, na medida em que nos aproximamos de Jesus e entramos em comunhão com Ele.
O texto da primeira leitura ainda ressalta: “Mas recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra”. Com estas palavras Jesus despede-se dos Apóstolos. Imediatamente depois, o autor sagrado acrescenta que Cristo “foi elevado à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos” (At 1,9). É o mistério da Ascensão, que neste domingo celebramos.
Mas ainda podemos refletir sobre a expressão “foi elevado”. Com efeito, o uso do verbo “elevar” tem origem no Antigo Testamento, e refere-se à tomada de posse da realeza. Portanto, a Ascensão de Cristo significa a tomada de posse do Filho do homem crucificado e ressuscitado na realeza de Deus sobre o mundo. Este acontecimento é descrito como uma ação do poder de Deus, que introduz Jesus no espaço da proximidade divina.
A solenidade da Ascensão do Senhor nos exorta também a consolidar a nossa fé na presença real de Jesus na história; sem Ele, nada podemos realizar de eficaz na nossa vida e no nosso apostolado. Como recorda o Apóstolo São Paulo na segunda Leitura: Ele “a uns, constituiu Apóstolos, a outros, profetas, a outros, evangelistas, pastores e doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério para a edificação do Corpo de Cristo” (Ef 4,11-12).
Em sua Regra, São Bento nos recomenda a nada antepor a Cristo (cf. RB 72,11). Devemos conservar o nosso coração fixo em Cristo, a nada antepor a Ele. A oração, para a qual todas as manhãs o sino do Mosteiro, com os seus repiques graves, convida os monges a se unir ao Senhor, é a vereda silenciosa que nos conduz diretamente ao coração de Deus; é o respiro da alma que nos restitui a paz nas tempestades da vida. Que esta união com Deus pela oração e a escuta atenta da sua palavra possa alimentar a nossa fé e tornar-nos profetas da verdade e do amor.
A ascensão fortalece e estimula a nossa esperança de alcançarmos o céu, onde o próprio Cristo foi preparar para nós uma morada (cf. Jo 14,2). E assim, abrindo para nós o caminho do céu, possamos, já aqui na terra, saborear a vida divina. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ