Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer: 25“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado.
27Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
28Vinde a mim, todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. 30Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Mateus (Mt 11,25-30)
A homilia do 14º Domingo do Tempo Comum foi escrita por Dom Anselmo Chagas de Paiva, monge beneditino do Mosteiro de São Bento, do Rio de Janeiro.
Caros irmãos e irmãs,
A liturgia da Palavra deste domingo faz ressaltar a alegria que emerge de um coração de quem percebe a grandeza do amor de Deus. Mas sublinha que a descoberta deste amor está reservada para os humildes e simples, tema que perpassa as leituras deste domingo.
A primeira leitura nos faz ler um texto do livro do profeta Zacarias (cf. Zc 9,9-10), onde temos uma referência ao cortejo real: “Eis que vem teu rei ao teu encontro; ele é justo, ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria da jumenta” (v. 9). Nota-se pelo texto a humildade do rei, através da forma como ele vem montado, sobre um animal de carga, e não sobre o cavalo, como ostentavam os reis e monarcas da época. O cavalo era a montaria própria do rei que ia para a guerra, o jumento era usado quando se queria expressar um caráter amistoso. Além disso, o texto do profeta Zacarias afirma que esse rei eliminará todo poderio militar e seu domínio difundirá a paz por toda a terra, entre todas as nações.
Na segunda leitura continuamos a ler a carta de São Paulo aos Romanos, onde o autor expõe, de forma serena e clara, a sua reflexão sobre a salvação. Na perspectiva do Apóstolo Paulo, a salvação é um dom não merecido, porque vivemos mergulhados no pecado (cf. Rm 1,18-3,20). Deus oferece a salvação aos homens por pura bondade, através de Jesus Cristo (cf. Rm 5,12-8,39).
O texto que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que São Paulo reflete sobre a vida no Espírito. O pensamento teológico de Paulo atinge aqui um dos seus pontos culminantes: todos os grandes temas paulinos se cruzam neste texto. O Espírito Santo aparece como o elemento fundamental que dá unidade a toda esta reflexão. Ele está presente por detrás desse projeto salvador que Deus tem em favor do homem e do qual São Paulo não se cansa de dar testemunho.
Ora, Jesus ofereceu aos seus discípulos o mesmo Espírito. Os discípulos precisam estar conscientes de que, se viverem como Jesus e se fizerem da vida um dom a Deus e aos irmãos, receberão essa mesma vida nova e definitiva em Cristo Jesus. São Paulo convida os cristãos a tirarem as conclusões práticas desta realidade: se viverem “segundo a carne”, morrerão, ou seja, não entrarão no Reino de Deus; mas, se viverem segundo o Espírito, ressuscitarão para a vida nova.
Temos neste texto uma das mais interessantes e sugestivas antíteses paulinas: a “carne” e o “Espírito”. Viver “segundo a carne” é, na perspectiva de Paulo, viver em oposição a Deus, ou seja, viver fechado a Deus, alheio aos ensinamentos do Senhor e aos seus mandamentos. Enquanto que “viver segundo o Espírito” é viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e sugestões, na obediência aos projetos de Deus e na doação da própria vida aos necessitados.
A passagem evangélica, por sua vez, nos traz um convite consolador de Jesus: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (v. 28). É também um convite a ir ao encontro de Jesus e a aceitar os seus ensinamentos. Jesus promete dar a todos o descanso, mas sob uma condição: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (v. 29).
Entre os fariseus do tempo de Jesus, a imagem do “jugo” era aplicada à Lei de Deus, a suprema norma de vida (cf. Eclo 6,24-30). Entende-se como jugo, uma estrutura ou barra de madeira que é colocada sobre um ou dois animais que estejam puxando uma carga pesada. O jugo equilibra a carga, tornando-a mais fácil de ser levada. Além de seu significado literal, o conceito de jugo também aparece em muitas escrituras como metáfora de escravidão ou servidão (cf. Jr 28,2).
Para os fariseus, por exemplo, a Lei não era um “jugo” pesado, mas um “jugo” glorioso, que devia ser carregado com alegria. Na realidade, tratava-se de um “jugo” pesadíssimo. A impossibilidade de cumprir, no dia a dia, os 613 mandamentos da Lei escrita e oral, criava consciências pesadas e atormentadas. Os crentes, incapazes de estar em regra com a Lei, sentiam-se condenados e malditos, afastados de Deus e indignos da salvação. A Lei aprisionava em lugar de libertar e afastava os homens de Deus ao invés de os conduzir para a comunhão com Ele.
Os “sábios e inteligentes” estavam convencidos de que o conhecimento da Lei lhes dava o conhecimento de Deus. A Lei era o canal de união com Deus; por isso, apresentavam-se como detentores da verdade, representantes legítimos de Deus, capazes de interpretar a vontade e os planos divinos.
Mas o “jugo” de Cristo é a lei do amor, é o seu mandamento, deixado por ele aos seus discípulos (cf. Jo 13,34; 15,12). O verdadeiro remédio para as feridas da humanidade, quer materiais, como a fome e as injustiças, quer psicológicas e morais, causadas por um falso bem-estar, é uma regra de vida baseada no amor fraterno, que tem a sua fonte no amor de Deus.
No evangelho deste domingo Jesus faz um convite aos humildes para que aceitem o seu “jugo”, que é o descanso e a tranquilidade. Como de fato, mansidão e humildade são duas virtudes postas em prática por Jesus, ao longo de seu ministério. Jesus também quis nos ensinar este caminho. Ele se fez manso e humilde para poder dizer-nos: Aprendei de mim (v. 29).
Por isto, só quem se entrega a Deus, pelo ato de total abandono que é o amor, pode ser assumido pela graça que nos dá a real participação no reino de Deus, que sempre se inicia e se planifica no amor. Por isso também, seu jugo é leve, porque nos liberta do farto da morte e nos faz participantes da vida de Deus. Só o divino amor, que opera em nós a fé, pode nos fazer andar até ele: “Vinde a mim, todos vós” (v. 28).
Um dos mais belos frutos da humildade é esse que está no evangelho deste domingo: o ter os olhos abertos para entender as verdades de Deus, enquanto que os soberbos e os arrogantes e aqueles que presumem ser sábios, ficam alheios diante destes ensinamentos: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e aos doutores e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).
Jesus repete também a tantos inteligentes e sábios honestos que existem no mundo de hoje seu convite: “Vinde a mim, todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (v. 28). E que este convite possa chegar também a cada um de nós.
Peçamos ao Senhor que ele nos conceda também um coração puro e simples, desprendido e disponível para o outro. Um coração capaz de olhar com amor misericordioso para todos, sem julgar ninguém. Um coração puro e simples, capaz de compreender que tudo é dom gratuito de Deus e tudo deve dar gratuitamente. Um coração aberto ao perdão, que não seja invejoso e não guarde rancor e tudo desculpa (cf. 1Cor 13,4-7).
Que a Virgem Mãe nos ajude a ter um coração puro e simples e nos faça aprender de Jesus a verdadeira humildade, a carregar com decisão o seu jugo leve, para experimentar a paz interior e tornarmos capazes de confortar aqueles que percorrem com provações o caminho da vida. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ